24.6.11

Autenticidade




A autenticidade adquire-se em bloco, é-se ou não se é autêntico. Mas isso não significa de modo nenhum que se adquira a autenticidade de uma vez para sempre. Já afirmei que o presente nada pode sobre o futuro, nem o passado sobre o presente. Segundo Gide, em moral, tal como no romance, não se tira proveito do impulso adquirido. E a autenticidade do impulso anterior em nada nos protege contra um queda no inautêntico, no instante seguinte. Quando muito, poderemos dizer que é mais fácil conservar a autenticidade do que adquiri-la. Mas, na verdade, poderemos mesmo falar de conservar. O instante que está para vir é novo, a situação é nova; é necessário inventar uma autenticidade nova. De qualquer forma, dir-se-á, a recordação do autêntico deve proteger-nos um pouco da inautenticidade. Isto leva-me a precisar também aquilo que disse sobre o desejo de autenticidade. No inautêntico, podemos ter um certo desejo de autenticidade. É costume considerar que esse desejo de autenticidade é apesar de tudo qualquer coisa. É melhor do que nada. Assim se restabelece, lentamente e por caminhos ínvios, a continuidade que à partida fora posta de lado. Distinguiremos então os inautênticos atolados na sua inautenticidade, depois daqueles que nesse atoleiro são atormentados por um desejo já meritório, e por fim aqueles que participam no autêntico. É preciso dizê-lo; da duas uma: ou o desejo do autêntico nos atormenta no seio da inautenticidade - e nesse caso ele próprio é inautêntico - ou então ele é já a autenticidade toda inteira, mas que se ignora, que ainda não está recenseada. (...) A autenticidade adquirida através de uma transformação livre manifesta-se primeiro sob a forma de uma desejo de autenticidade. Este não faz então mais do que exprimir que a causa está ganha. (...) O desejo de adquirir a autenticidade não é afinal senão um desejo de compreendê-la melhor e não a perder.

Jean-Paul Sartre, in Cadernos de Guerra


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